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| As Sete Leis de Deus à humanidade |


Pergunta: Recentemente, ouvi certo renomado professor judeu afirmar que o judaímo - por não ser uma fé centralizada - deixa campo para cada judeu praticar sua religião segundo bem lhe pareça. É verdade que por não existir um "papa judaico", ou um "Vaticano judaico", torna-se possível a existências das diferentes correntes judaicas e a pluralidade e liberdade de pensamento? Ou tratar-se-ía de um engano por parte de tal professor? Tal professor mesmo afirmara que seu judaísmo se resumia à crença nos treze princípios de Maimônides, e afirmara claramente que não precisa mais que isto.

Resposta: Em primeiro lugar, desculpe pela quantidade de palavras na resposta, que precisa ser muito larga para abranger todos os pontos da pergunta. Primeiro, esclarecendo como pessoas chegam a tais equívocos, e por quê. Segundo, esclarecendo o porquê de não ser suficiente - mesmo segundo o próprio Maimônides - apenas crer em seus treze princípios. Terceiro, como o judaísmo é centralizado, apesar da enormidade de idéias, que é fruto da diáspora, e não do judaísmo.

Infelizmente, no mundo atual em que vivemos as pessoas criam uma visão pré-formada das coisas, segundo valores formados a partir da visão de outros, sem pesquisa e análise aprofundada, seja por utensílios racionais nos quais se baseavam os filósofos na antiguidade, seja por estudo do assunto em voga meticulosamente e por ordem, preferindo criar para si próprias normas que sirvam de excusas para o que lhes é difícil e cumprimento ou em aceitação. Em suma: a maioria das pessoas não buscam serem independentes, senão aparentam ser, prendendo-se à forma de pensar de outrem, sem analisar profundamente, simplesmente por parecer-lhe bem e adaptar-se a seu próprio modo de pensar, personalidade, problemas pessoais, etc.

É claro que tal professor está enganado, e possivelmente não seja possível culpá-lo de todo por seu engano, devido a três pontos principais importantes: 1) o sistema de aquisição de grau universitário no professorado ou doutorado vigente na atualidade, que chega a ser desonesto, se analisarmos o sistema profundamente, e 2) a admissão de idéias vigentes no meio comunitário, de diferentes pessoas, até que a pessoa chega a construir a sua própria "mentalidade" das coisas, a partir de tais, nos quais vê uma pesquisa efetuada por si mesmo e 3) a confusão e a divergência de idéias, doutrinas e acepções no meio judaico conhecido e aceito como "ortodoxo".

As entidades universitárias em nossos dias cambiaram em determinados assuntos o modo direto, conciso e claro de abordar pormenores afim de esclarecê-los, segundo cujos dotes os novos doutorados ou professorados terminavam seus estudos para serem titulados como tais. Opostamente, em nossos dias o novo doutor precisa formar uma tese "sua", algo muito especialmente proveniente de sua cabeça. Como meio de formar sua tese, são trazidas citações de fontes, as quais geralmente são trazidas pela metade, e quando unidas a outras, formam uma visão nova, mas "comprovada" do assunto em estudo, e da tese. Este sistema e metodologia eu pessoalmente acuso de desonesto, pois o bom estudioso não deixará de verificar as fontes citadas, e perceberá que nada tem a ver na maioria dos casos, nem com a outra citação trazida, nem com o que pretende o autor provar. O caso, porém, é comum, e tido como altamente "literário". Ou seja, o importante é que a idéia seja "provada", e que a "prova" seja "consistente", tratando-se de ser esta fundamentada em escritos de grandes escritores do passado. Nem em tudo é possível tal utilização e deturpação de escritos e afirmativas, mas o importante é a capacidade do indivíduo em transformá-las. Isto, por mais que a pessoa não queira que ocorra, influencia em seu modo de pensar e de ver o mundo a sua volta. Assim, tudo se transforma lentamente em um modo de ver as coisas que pode ser exprimido por uma frase como esta: "- Esta é sua forma de ver o caso, e eu tenho a minha, que diverge!"

Assim, muitos professores acabam por deixarem-se influenciar pelo sistema, transformando o modo simples da análise racional para algo conspicuamente complicado, pois devido a serem os métodos de pensamento intermitentes, acaba por ser desprovido da lógica, apesar que à primeira vista pareça ser ela evidente. Cada pessoa ao escrever sua tese utiliza-se de fontes sem trazê-las em sua idéia completa, senão parte dela, afim de provar o que diz, trazendo "notas ao pé da página", segundo as quais prova ter o conhecimento e a razão, sem sequer esforçar-se na análise de suas próprias palavras, pois é o que pretende trazer. Qualquer que venha após, salvo raras exceções, tampouco se esforçará na verificação das citações. Assim, a história tende a tornar-se "fruto do historiador", e não da realidade ocorrida, e a filosofia torna-se barata, fruto de um "pensador", e não realmente conjecturas do raciocínio governado pela lógica que busca a verdade na análise racional. Assim, o sistema lhe é ínseto como forma de pensar, e influi em seu dia a dia em toda análise simples. Assim, encontram respaldos como respostas conhecidas como pitagóricas, como: "- Esta é a tua verdade...", ou pelo estilo.

Não digo serem tais afirmativas do digno professor somente isto, ou fruto de uma única fonte de influência, senão que o modo de pensar da pessoa é geralmente fruto também do meio-ambiente no qual vive: as pessoas que o cercam, os livros que lê ele, e que lêem eles. A metodologia citada, porém, é também muito influente para que tal ocorra. De qualquer modo, não pode-se esperar nesta época, quando as pessoas estudam especialmente determinado campo de estudos, que respondam por outros. Ou seja: se o professor é versado em geografia, em história ou em biologia, neste campo é autoridade, e em outros campos nos quais não se aprofundou de modo algum, senão adquiriu conhecimento superficial, não pode-se nem deve-se esperar que suas afirmações em outros campos possam ser levadas a sério. E, isto não deve de modo nenhum ser ofensivo ao professor, que não deixa de ser um sábio em seu campo. Por que, então, não empeçar diretamente a esclarecer onde está o erro deste sábio? - pelo simples motivo de que muitos há que caem no mesmo engano, e pelas mesmas razões ou parecidas, e vale a pena chamar a atenção para esta ocorrência no mundo intelectual moderno, pois muitos podem ser alertados antes de neste meio adentrarem-se.

Todas estas palavras, todavia, vêm somente para desculpar o professor, sem contudo justificar seu erro, pois não podemos dizer a uma pessoa que estudou mecânica que seja médico, nem ao que estudou natação que se torne paraquedista. De mesmo modo, uma pessoa pode construir seu modo de pensar diretamente das fontes do judaísmo, e outro, da convivência com judeus. Viver em companhia de outros judeus não significa que tudo o que pensam é o certo em pertinência ao judaísmo, mesmo que este pareça ser uma "religião descentralizada". Infelizmente, a época em que as pessoas estudavam todos os setores da Torá para que pudessem ser tidos como rabinos longe vai. Em nossos dias, nem mesmo a maioria dos rabinos podem ser considerados autoridades para falar de judaísmo, e esta é mais uma das razões para a confusão do professor, embora não citada. Talvez seja esta a maior das razões de sua confusão em sua idéia formada acerca do que é "judaísmo".

O digno professor, e pessoas que pensam como ele, fez uma comparação simples, intencionalmente ou não, entre o judaísmo e o islamismo: se no islamismo a pessoa tem tantas obrigações, como rezar cinco vezes ao dia, fazendo antes de cada reza as abluções necessárias, jejuando durante um mês o jejum chamado "Ramadan", recitando de cor o Al-Corão e vivendo a cada passo segundo a "suna" e a "sheri'a", e a pessoa não se predispor a tudo isto, dizendo apenas a frase que é o princípio da fé islâmica: "La-illaha ila Al-lah, moĥamad hu rassul Ul-Lah!" - ("Não há Deus além de Al-lah, e Maomé é seu profeta!") - é tido como muçulmano sem dúvida alguma, mesmo sem praticar os demais pormenores ao pé da letra, por que não seria o judaísmo assim?

O primeiro ponto de engano é identificar o judaísmo como religião, e não como o que deveria ser. Depois que os "ismos" foram inventados no mundo, a Torá, ou seja, a Lei que rege os hebreus, transformara-se também em "ismo". Este é o ponto crucial da questão: como esclarecemos em nossas páginas no sítio-web, judaísmo não é religião.

Em nossas páginas no sítio-web "judaismo-iberico" chamamos a atenção para os verdadeiros culpados do nascimento dos movimentos cogominados "reformista" e "conservador" no seio do povo judeu. A ortodoxia é o verdadeiro e único culpado. Se fossem respeitosos para com as fontes, não haveriam dissensões entre sefarditas e asquenazitas com respeito à halakhá, senão mínimas. Talvez nenhuma houvesse. A partir do momento que o "ortodoxo" se dá a inovações, desrespeitando regras importantes e cruciais na defesa de sua posição, sem conhecimento das ciências gerais, fechados para o mundo real no qual vivemos, vivendo nele apenas aparentemente, está dando o golpe final no judaísmo como este realmente deveria ser.

Porém, as pessoas que se acostumaram a este modo de pensar como tal professor, acomodaram-se a tal ponto que conseguem rapidamente evasivas para si mesmos, justificando-se perante todo o que disser conforme o conteúdo desta carta, dizendo: "Esta é sua forma de pensar, eu tenho a minha!" Neste caso, cabe o dito antes: sobre que pilares seu "modo de pensar" se mantém? Sobre que foi construído? Você estudou sobre o assunto, realmente, ou leu diferentes escritos de pessoas que talvez hajam chegado a conclusões por forma idêntica à sua?

Muitas pessoas do tipo tenho visto que se sentaram a estudar Talmud em determinados ambientes, e pensam ter base nisto para o que dizem e pensam, sem os sustentáculos necessários. As próprias pessoas que por vezes dão aulas, ou servem de "ĥavruta" para o estudo, indispõem das regras precípuas e imprescindíveis para o estudo. Nisto, muitos rabinos são incluídos.

Mesmo nas "iechivôt" da atualidade vemos o estudo ser empeçado por sistema absolutamente errôneo, e com certeza condenável. Minhas palavras aqui provavelmente somente teriam respaldo dos que selaram o próprio Talmud: os últimos amoraítas. Levar um menino de doze ou treze anos ao mundo do Talmud para que este mergulhe nos tratados que fazem parte do "sêder neziqin", sem que este haja passado e repassado sobre os "sedarim" antecedentes - "zera'ím" e "Mo'ed" - é a meu ver um crime. Isto, sem levar em conta que a maioria destes alunos jamais estudaram toda a Torá escrita, e toda a Michná, a Tossefta, o Sifrê e o Sifrá, e a Mekhilatá.

Assim, preparam os estudantes a pensar segundo as normas. Ou seja, segundo a norma vigente na iechivá onde estuda, pelo que ensinam-no sem a ordem normal do estudo: Torá, Escritos, Profetas, Michná, Beraitôt e Talmud, e este pela ordem de seus tratados. Deste modo, jamais poderá ser livre para pensar segundo a Torá, senão segundo o que lhe inculcaram ser a Torá. Para isto, em alguns grupos, historietas e anedotas são complementares para o bom estudo: assim, fazem com que o aluno admire certos vultos judaicos do passado, queira ser como eles, e estudar seus escritos, sem sequer ter os utensílios para colocá-los em análise. Desta maneira, temos grupos diversos de determinados pontos de vista místico. E, a distância entre um judeu e outro só toma proporções.

Ademais, cabe lembrar que vivemos na época da "especialização". No passado, estudava-se algo como um todo, sabendo que cada coisa está ligada a outra, intrinsecamente. Especialmente no campo da Torá, onde é impossível que um verdadeiro conhecedor dela não admita a veracidade de minhas palavras aqui. Somente uma pessoa que conhece a Torá no que concerne ao campo dos preceitos e seus pormenores totalmente, especializado em todos os setores, e não em partes deles, poderia ser tido realmente como rabino, e assim era no passado. Em nossos dias, porém, com a modernidade das especializações, temos rabinos especialistas em casamentos, divórcios e casos de "agunôt". Em outro campo, especializados em casos de conversão. Em outro mais, casos de cunho pecuniário, incluindo todos os casos de prejuízo, dívidas, e semelhantes. Todos estes se acham no campo chamado "daianut" - ou seja - jurídico. Nenhum se atreve a entrar no setor do outro, e muito menos em setores considerados mais simples, como casos de "issur veheiter" (casos de "cacherut"), abate de animais e retirada de determinados sebos proibitivos, e outras coisas que são assuntos do dia a dia entre os judeus praticantes.

Depois que inventaram a "especialização" em determinadas matérias, e depois que isto atingiu o rabinato, este se transformara praticamente em profissão. Como todo profissional, o rabino depende dos que o sustentam, depende de sua "clientela". Assim, as variações entre os rabinos tendem a aumentar. Este não diz o que deve por medo de perder seu posto, e aquele outro diz por saber que é concorrido, e assim vai.

Assim, a especialização no campo rabínico - como era de se esperar - não atinge somente ao público, senão inclusive ao próprio meio rabínico: regras são traspostas, assuntos são postergados, e todos temem perder o direito do preenchimento do "cargo", que é seu único meio de vida. Assim, temem às vezes abrir a boca para desfazer-se de algo que foi dito por um rabino considerado "maioral" aos olhos da maioria ortodoxa judaica local.

Pela mesma razão, perdem em vários casos a sensibilidade para com o uso correto das regras de promulgação, deixando-as em oblívio, ou até mesmo desconhecendo-as, já que isto é algo que deve ficar para os "posseqim"!...

Portanto, que faria um médico, um professor, seja de que matéria for, ou qualquer outro, cuja especialidade não está no mundo da Torá, mesmo que a estude todos os dias, senão decidir por seus próprios olhos segundo bem lhe pareça? Isto, sem contar com a politicagem que empeça a estar demasiado vista no dia a dia entre muitos rabinos da atualidade.

Portanto, o professor é a única pessoa no caso que - apesar de estar causando um grande mal a todo o que lhe ouça sem saber - é digno de indulgência. Segue-se o esclarecimento da razão pela qual afirmamos estar errado, nas linhas abaixo.

Os princípios da fé hebraica

A Torá tem alguns termos para designar o que é conhecido nas línguas ocidentais como "infiel". Apesar de este termo ser muito aplicado quando se relaciona ao islamismo e aos descrentes dele, o fato é que o significado desta palavra e seu sentido em português e demais idiomas latinos, é bem mais antigo. O judeu não tem como chamar "infiel" a quem não é judeu, pois não há obrigação alguma para quem não nascera judeu que venha cumprir a Torá.

O termo, porém, se aplica a quem nascera judeu, e deixou a prática da Torá. Porém, neste caso, há diferentes casos: há o indivíduo que não pratica determinado preceito da Torá, há o que não pratica a Torá toda, e há o que não crê na Torá, ou em parte dela. Este último é o caso mais sério, e esta é a razão da necessidade dos "treze princípios da fé judaica" de Maimônides. Contrário ao que se pensa - não é Maimônides o autor destes princípios, senão o primeiro a ordená-los como lista obrigatória para o judeu. Eles, porém, são trazidos no Talmud Sanedrin, esparsos, e sempre foram obrigação de todos os filhos de Israel. Maimônides colocara-os em ordem, devido à necessidade que neles há para o julgamento do "infiel", ou dos "infiéis".

Os "infiéis" são tidos pela Lei Hebraica como que excluídos do povo de Israel para todos os efeitos, exceto para dois únicos casos: se tomar para si uma esposa, o casamento é firmado, e não pode sua esposa separar-se dele sem ser por ele divorciada. Eles se dividem segundo os nomes, e cada caso vai explanado abaixo:
1 - min - é a pessoa que, por falta de conhecimento, por pacovície e ignorância da Torá, segue seu próprio modo de pensar. Ele decide para si mesmo o que é certo e o que é errado, sem deixar que os ditames da Torá sejam régios em suas decisões no que crê e pratica, em concernência á Torá. - Michnê Torá, Leis de Idolatria 2:9.
Há cinco classes de "min": a) o que diz que não existe Deus, ou que existe Deus, mas Ele não rege o mundo; b) o que diz que Deus rege o mundo, mas que não é apenas Um, senão dois ou mais, c) o que diz ser Deus apenas um, mas que dispõe de corpo, seja físico, espiritual ou etéreo, ou que Deus não é primordial; d) o que diz que a Torá não veio de Deus; e) o que serve a qualquer deidade que esteja entre si e Deus, como mediador entre Deus e os homens. - MT, Leis de Arrependimento, 3:15.
2 - epícuros (erroneamente: "apicores") - são três classes: a) o que descrê da possibilidade da profecia, e diz que é impossível que Deus transmita algo ao ser humano por profecia; b) quem não crê na profecia de Mochê; c) quem não crê que Deus tem conhecimento dos feitos dos seres humanos.
3) - cofer baTorá - são três tipos: a) o que afirma não ser a Torá oriunda de Deus, e mesmo que diga tal coisa sobre um único verso da Torá, ou palavra. Caso disser que tal coisa foi fruto do próprio Mochê, é "cofer"; b) O que não crê na Torá Oral, e pensa ser ela invenção dos rabinos, seja de que época for, e o que se desfaz das coisas que foram determinação rabínica - isto é - leis que não foram recebidas do Sinai, senão por decisão dos setenta anciãos componentes do grande Bet Din de qualquer geração, pois são eles os transmissores do ouvido desde o Sinai. Nisto enquadravam-se os Saduceus. c) Todo o que afirmar que um ou mais preceitos da Torá foram trocados por outros, ou a Torá em si, foi cambiada por outra, como afirmam os cristãos, ou que a Torá foi mudada, como afirmam os maometanos.
4 - mechumad (lit.: "destruído") - são duas classes: "mechumad lemisvá aĥat", que é a) o que abandonar o cumprimento de um dos preceitos, ou mais, tornando-se tal preceito para ele como se não existisse, devido à prática em sua transgressão. Isto, desde que o faça na intenção de provocar aos demais judeus. E, b)"mechumad lekhol ha-Torá" que é o que se converter para qualquer das religiões dos gentios.

Esta lista inclui todos os casos trazidos nos treze princípios, pois a pessoa que de um deles descrer se enquadrará em um destes casos acima. Isto não significa que se a pessoa crer no que está ali é isento de cumprir com os preceitos da Torá, com os preceitos que são resoluções do Sanedrin, ou com os preceitos que forem decretos. Muito pelo contrário: toda pessoa que disser que crê naqueles princípios, e seja visto em seu dia a dia em descumprimento do trazido na Torá Oral, ou das decisões e dos decretos dos Sábios, é como se estivesse testemunhando falsamente sobre si mesmo, pois seus atos demonstram que não crê no que diz serem os princípios de sua fé, já que não vive segundo os pormenores da mesma Lei que diz ser eterna e imutável.

A vida segundo a Torá:

A Torá compreende uma série de Leis que envolvem o governo no que concerne ao modo de agir de um rei. Ela rege o poder judiciário hebraico, dando-lhe regras e ditando-lhe onde, como e quando pode legislar, e em que casos, e em quais pode decretar, e porquê. Determina também em casos de decretos, que estes possam ser aceitos pelo povo, e que deve ser anulado o decreto caso o público não possa suportar seu peso. Assim, também a classe sacerdotal aarônica tem suas leis particulares, bem como o público como um todo, e a pessoa em particular. Ou seja: é uma legislação Divina que envolve a um tempo o povo e o indivíduo, nos mínimos detalhes de seu proceder.

Assim se divide - em resumo - o poder judiciário hebraico, e todo judeu deve guardar cada um dos pormenores pelos quais se subdividem estes: a) Leis recebidas por Mochê e transmitidas de geração em geração desde o Sinai de tribunal para tribunal, e o povo aprendia dos membros de cada tribunal. São três classes: 1) dibrê chemu-á, dibrê qabalá, halakhá leMochê be-Sinai. b) Determinações do Sanedrin, estudadas pelas treze regras, segundo o trazido na Torá "ki iipalê mimekhá dabhar..." - Debarim 17:8. c) Taqanôt, gezerôt e minhagôt - três classes de decretos - segundo a necessidade e o parecer do tribunal hebraico supremo (Sanedrin). O último caso pode ser algo regional, segundo o tribunal local. Nada tem a ver com o que comumente é chamado hoje de "minhag", que é a prática tipicamente folclórica de determinados grupos étnicos judaicos, sem valor nenhum no que concerne á Lei Hebraica. O termo "dibrê qabalá" trazido acima, nada tem a ver com o misticismo conhecido atualmente por "qabalá", senão trata-se de preceitos ou pormenores de preceitos que são aludidos nos profetas.

Como deve funcionar o poder judiciário hebraico?

Talvez fosse mais apropriado dizer: "como deveria funcionar...", pois durante o exílio prolongado, muito foi copiado por nós dos não judeus entre os quais fomos espalhados. Este é o motivo pelo qual hoje temos "rabino comunitário" - cópia do "sacerdote paroquial". Assim, como cada paróquia tem seu sacerdote, e este é submetido àlguma ordem, e segundo tal ordem, àlgum bispo, que por fim se submete ao Vaticano hierarcamente, assim o judaísmo tomou em diversas comunidades direção similar.

A obrigação de manter um tribunal superior em Jerusalém, ou pelo menos na Terra de Israel, é preceito da Torá. Este é ordenado a estabelecer em cada cidade judaica um tribunal menor de vinte e três rabinos, e em cada povoado menor, de três. De modo nenhum há na Torá ou no Talmud a idéia de "rabino regional", ou "rabino comunitário". Esta forma de agir pouco a pouco levou o povo judeu a ver nos rabinos uma espécie de "clero", que é bem distante da idéia judaica de rabino.

Rabino, além de mestre, é um juiz. O judaísmo é muito anterior ao termo religião, que deriva de "religare", em latim, cuja idéia é a religação do homem a Deus. É certo que o judaísmo é também fé, além de Lei. Mas isto, porquanto trata-se a fé de imposição da própria Lei, não o contrário.

Assim, a idéia de rabinos submetidos ao "rebe", seja este quem for, é comum somente entre os hassídicos. A idéia de submeter-se a determinado rabino na Terra de Israel, entre os rabinos orientais que se acham no Brasil ou em outras regiões do mundo, provém especialmente da influência do hassidismo e da mentalidade asquenazita lituana, que apesar de não admitirem "rebes", sempre procuraram uma imagem mais importante e mais respeitada entre os considerados rabinos-mestres de rabinos. A idéia, porém, tem sua origem também no meio-ambiente europeu no qual viveram. A tendência de transformar o rabinato israelense em espécie de "Vaticano Judaico" pelo Estado de Israel, com dois "papas", um sefardita e outro asquenazita, visa dois pontos: centralizar o judaísmo ao modo cristão, na meta de ocidentalizar-se cada vez mais, e não dar aos sefarditas a supremacia, pois antes da criação do Estado de Israel, existia apenas o Richon le-Tsion, desde os dias de Rabi Iossef Caro, e este sempre fora sefardita. O que poucos sabem, é que era mormente nomeado pelo líder do tribunal rabínico da Turquia, por séculos. Ou seja: não havia nisto influência ocidental.

Este modo de preservar os tribunais em um lugar após outro pode ser questionado, mas ao fim, todo questionador poderá ser convencido do contrário, caso tenha um pouco de raciocínio lógico. Isto, porquê em nossos dias muitas pessoas pensam que grandes rabinos do passado, por serem mormente citados sozinhos, como r. Iossef Caro, Ramba"m, os Gueonim, os Amoraím (últimos rabinos do Talmud), resolviam os casos que se lhes eram apresentados sozinhos, sem um tribunal, como é comum em nossos dias em determinados casos de "pessiqá". Se esquecem de dois pormenores: 1) que os rabinos do passado evitaram promulgar por si próprios, dando apenas seu parecer, e deixando a resolução para os que lessem suas palavras, e 2) que os rabinos do passado reconhecidos como maiorais de suas gerações eram líderes de um tribunal.

Como prova do dito acima: trechos onde Maimônides traz seu parecer em casos não abordados no Talmud, pois nos mesmos as regras eram respeitadas ao pé da letra, ele geralmente diz: "fulano disse assim, outros vários disseram assim, e a meu ver, é assim...", deixando sempre a opção. Rabi Iossef Caro, líder do tribunal de Safed, para que a pessoa estudante de seu compêndio chamado Chulĥan 'Arukh, compilou o livro chamado Bet Iossef, no qual traz as fontes talmúdicas e as discorrências entre os rabinos que antecederam-no na Espanha, no Oriente e no leste europeu sobre as mesmas, para que entendesse bem o leitor qual era sua posição em relação a tudo isso, e que a permissão para quem entendesse o assunto distintamente estivesse em suas próprias mãos, conforme se subentende do princípio do primeiro capítulo de Horaiôt, no qual aprendemos que mesmo quando haja um tribunal de rabinos que possuam a "semikhá", a pessoa que entender o assunto por haver chegado ao nível de um rabino não tem o direito de optar por aceitar a idéia do tribunal que determinara conforme determinara.

Muitas outras palavras acerca disto como prova podemos trazer, baseadas em escritos diversos e esparsos de vários rabinos de diversas épocas, pelo que podemos nos contentar com o escrito pelo rabino Salomão de Oliveira no Darkê No'am, pelo rabino Mochê Alachkar na responsa 54, na qual critica outro contemporâneo seu, rabi Iossef Cólon, e muitos outros exemplos, mesmo após o Chulĥan 'Arukh.

Ou seja: nestas últimas palavras está a resposta para a última etapa da afirmativa do tal professor. É certo que não temos atualmente o Supremo Tribunal Judaico em Jerusalém, como no passado, mas também é certo que os mesmos componentes do último tribunal de amoraím anteviram nossa situação, e deixaram promulgado que o Talmud serviria como tribunal centralizado para todos os judeus de todas as gerações posteriores ao Talmud, até que um novo sanedrin fosse reabilitado em Tsion. Isto está claro no Trat. Babá Metsi-á pg 86, e esta promulgação talmúdica serviu e serve de base para todos os rabinos posteriores ao Talmud. Mesmo em casos não abordados no Talmud, devem basear nele suas palavras.

Este é também o precípuo motivo para que o rabino Salomão de Oliveira escrevesse seu livro Darkê No'am, que são regras de promulgação no Talmud em resumo, para que seja o acesso a elas simplificado para todo rabino e aluno, posto que os livros dos que o antecederam eram demasiado grandes e difíceis de serem aprendidos em curto espaço de tempo, como o Halikhot 'Olam, Sêfer haKeritut e Mor Qechichá.

Em resumo: como disse o próprio Maimônides em Hilkhot Mamrim 1:1: "A Corte Suprema Corte (o Sanedrin) de Jerusalém é o princípio da Torá Oral, sendo o sustentáculo da legislação, e deles sai a Lei e o Juízo para todo o povo de Israel. Acerca deles prometera a Torá: "...segundo a Torá que te transmitam, e de acordo com o juízo que te disserem, farás..." (Debarim 17:11), sendo isto um preceito positivo. Todo o que crê em Mochê Rabênu e em sua Torá, é obrigado a manter o cumprimento da Lei segundo seus ditames, e apoiando-se neles!" - (Hilkhot Mamrim encontra-se no último dos catorze tomos que compõem o Michnê Torá, chamado "Sêfer Chofetim" ("Livro dos Juízes"). No parágrafo seguinte, prossegue: "Todo o que não agir segundo o promulgado por eles, transgride um preceito positivo..."

Este é o motivo pelo qual - mesmo sem centralização do judaísmo - este é centralizado: infelizmente, muitos que não completaram seus estudos deixam o povo confuso. Não me refiro ao professor, senão aos culpados por sua confusão: rabinos de lendas de midrachim, em cujas barbas longas e roupas antiquadas aparentam inefável conhecimento e sabedoria, enquanto tropeçam nas regras de legislação, por desconhecê-las como se faz necessário.

R. J. de Oliveira

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